Segunda maior fonte de emissões do país, o setor de transportes lançou cerca de 240 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2023. O modal rodoviário respondeu por 93% desse total e o de carga rodoviária, por quase metade. O desafio de reduzir a pegada de carbono desse último segmento, estratégico e essencial no país, é grande, mas já conta com alternativas como caminhões elétricos e movidos a biocombustíveis.
É o que aponta um estudo da McKinsey, ao qual o Valor teve acesso, e que analisa a descarbonização do transporte rodoviário no Brasil. A pesquisa mostra que o avanço das regulamentações, a maior pressão corporativa e a expansão da oferta de fontes de energia mais sustentáveis já contribuem para a redução de emissões nas estradas. Mas, segundo a consultoria, é preciso agir rápido para que essas iniciativas ganhem tração.
“Já há uma série de alavancas que o governo está colocando em pé. Estamos indo na direção certa. Agora, precisamos, tanto o setor privado quanto o público, pisar no acelerador”, diz Daniele Nadalin, sócio-associado da McKinsey. “Sem descarbonizar o transporte rodoviário de carga, não haverá uma descarbonização de fato do Brasil, dado o peso das emissões do setor”, acrescenta.
O estudo cita como exemplos de normas que incentivam a descarbonização nas estradas programas federais como o de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que criou o IPI Verde para quem polui menos, e o de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que desde janeiro estabelece novos limites máximos de emissões para veículos novos.
O levantamento também destaca o aumento no número de empresas participantes do Programa Brasileiro “GHG Protocol”, metodologia internacional mais usada para inventário de emissões. Segundo a McKinsey, o número de companhias aderentes mais que triplicou desde 2020, alcançando 539 em 2024. O setor de transportes e armazenagem é o segundo com mais empresas participantes.
Outro ponto positivo é o avanço da produção de biometano: a estimativa é que a produção anual no país alcance 1,6 bilhão de metros cúbicos em 2026 e chegue a 2,9 bilhões de metros cúbicos até 2032.
“O Brasil tem uma oportunidade gigantesca de se tornar líder na adoção de diversas tecnologias. E não precisa haver uma vencedora, porque elas podem coexistir e criar um ecossistema entre biometano, gás natural e elétricos, em que cada um encontra seu espaço e contribui para uma adoção mais ampla”, afirma Victor Stephan, sócio-associado da McKinsey.
Segundo o levantamento, o país somou 121 postos de abastecimento rápido de gás em 2024, quase o triplo dos 45 registrados em 2023. “Se não houver infraestrutura adequada de carregamento elétrico, abastecimento de biometano e biocombustíveis, será difícil ampliar o uso desses veículos”, alerta Nadalin.
Os avanços, embora positivos, ainda estão aquém do necessário para ampliar a escala da descarbonização. “A infraestrutura não é suficiente para escalar essas novas tecnologias, tanto a de carregamento de veículos elétricos quanto a de abastecimento de combustíveis verdes”, afirma Nadalin.
Para Jorge Cerezo, sócio-líder da McKinsey, 90% dos executivos do setor de transporte rodoviário apontam o custo como o principal fator que desestimula iniciativas de baixo carbono. Ele defende que é preciso desmistificar a ideia de que soluções sustentáveis são sempre mais caras. “É claro que haverá situações em que o ‘verde’ custará mais, mas em outras ele já se mostra competitivo”, diz.
Segundo Cerezo, quase metade do esforço necessário para atingir a meta de carbono zero no setor pode vir da otimização de malhas logísticas e do uso de ferramentas como a inteligência artificial, sem necessidade de grandes investimentos.
A outra metade, afirma, deve vir da mudança na matriz energética, seja com caminhões elétricos, mais sustentáveis e que contam com casos positivos em pequenas e médias distâncias, ou movidos a biocombustíveis, mais competitivos para longas distâncias.
“É preciso que as empresas realmente estruturem um plano e entendam que não é só com grandes investimentos de capital que se alcança o ‘net zero’. É necessário avaliar todas as opções e aproveitar toda a gama de alternativas disponíveis”, acrescenta Nadalin.
Segundo a McKinsey, escalar o uso de caminhões elétricos ou movidos a biocombustíveis e outras tecnologias de carbono zero dependerá tanto da oferta de veículos quanto da infraestrutura capaz de atendê-los, como postos de abastecimento e pontos de recarga.
Nadalin explica que, à medida que a presença desses veículos crescer nas estradas, o investimento privado em infraestrutura deve acompanhá-la. “Se sou um investidor em infraestrutura de carregamento ou abastecimento, quero que haja demanda, com muitos caminhões desse tipo nas ruas. Ou seja, há esse dilema, tem que vir primeiro o ovo e depois a galinha, ou vice-versa”, diz.
O setor público, no entanto, pode acelerar o processo ao incentivar a produção de veículos verdes e o desenvolvimento de infraestrutura de suporte. Também pode criar padrões para abastecimento e recarga, para tornar o mercado mais previsível.
“O posto de gasolina, em qualquer lugar do Brasil, funciona da mesma forma. Isso precisa ser aplicado ao mundo verde também. Ainda temos carregadores diferentes e não temos um padrão claro para biocombustíveis”, afirma Nadalin.
“É preciso fortalecer o que já vem sendo feito, criar padrões para que a indústria se sinta segura e incentivar, de fato, a redução de impostos e a concessão de incentivos fiscais para investimentos em infraestrutura verde”, completa o executivo.
Michael Esquer – Valor Econômico